sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Linhas e Planos de Ataque - Decifrar a Tendência

Não consigo, nos últimos anos e entre as equipas de topo, encontrar um modelo de organização atacante que não incorpore, ainda que circunstancialmente, as denominadas "ondas" ou "linhas" de ataque, e uma pluralidade de planos. Os jogos teste de Novembro de 2013, e agora duas (prestes a serem três...) jornadas de 6 Nações, confirmaram uma tendência evidente, cuja autoria desconheço mas que se tornou relevante ainda nos tempos de "Super 12", e antes de todas, com as equipas Neozelandezas.

Foi ao reler Stuart Lancaster, e concretamente um documento de 2005 que pode ser consultado aqui, que tive a curiosidade de recuperar a consciência dos benefícios e propósitos destes dois recursos tácticos, procurando substanciar esta minha noção de acerto intuitivo que prevalece no olho de quem vê sem analisar.  

Na enumeração de alguns princípios que compõem a sua filosofia de jogo, Lancaster enumera um, em particular, que nos remete para o tema que nos detém:

Aim to play through the defensive line as well as round the outside.

Estamos no campo das evidências, mas nem tudo o que poderia ter sido dito por La Palice é para deitar ao lixo; são elas que nos devolvem a essência do jogo, evitando que nos percamos por entre os artíficios tácticos engendrados por jornadas consecutivas de "xadrês táctico". Com tanta onda, plano, dobra, cruzamento e salto, corremos o risco de perder de vista a simplicidade do jogo, que trata de andar para a frente e fazer toque de meta lá ao fundo. Mas a sofisticação e eficácia defensiva, que é ainda hoje a forma mais imediata de assegurar competitividade - recuso-me a aceitar o anátema que as defesas ganham o que seja - aguça o engenho de quem pensa o ataque. 

E se a organização em duas "linhas" ou "ondas" trata de organizar um núcleo de jogadores com o propósito de, num determinado momento atacante, quebrar/perfurar uma linha defensiva organizada, já a introdução de distintos planos atacantes introduz um modelo global para concentrar defesas em zonas centrais e, evitando o efeito estrangulador da grande velocidade de subida da linha defensiva, assegurar que existe um grupo de jogadores suficientemente profundo para atacar uma situação de vantagem, ou menos profundo mas no espaço certo para atacar a ausência de defesas na zona lateral. 

Ou seja, "ondas" para tratar de quebrar a linha defensiva (play through the defensive line); planos para atacar o espaço exterior disponível (round the outside).

TÁCTICA DAS DUAS ONDAS (OU A "SERRILHA")

 As Duas Ondas ou "Serrilha", por Dan Cottrell 

Lembro-me bem do dia em que, há uns anos atrás, comecei a reparar que os Crusaders organizavam o seu ataque em duas linhas distintas, duas ondas na designação saxónica, com os homens da segunda linha posicionados nos intervalos criados pelos homens da primeira. Recordou-me uma "serrilha", e foi assim que tentei debater o conceito com os restantes membros da equipa técnica que integrava na altura. 


Era uma forma de organização diferente do padrão que na altura começara a ser introduzido e aperfeiçoado entre nós, inspirado nas mini-jogadas ou mini-grupos, com manobradores, engodos, penetradores e apoios, sublimado pelo Direito de Hourcade e Frederico Sousa, seguramente uma das melhores equipas que vi jogar em Portugal, e protagonizado de forma absolutamente inédita pelo CDUP de "Iei", um dos treinadores que defrontei com maior orginalidade e competência táctica. 


 E a "serrilha", personificada genericamente pelas equipas do Super Rugby (Super 12 na altura), tinha tanto de fácil - uma ilusão - como de eficiente - um facto. Atacando a linha defensiva, os homens da primeira "onda" assumiam linhas de corrida acentuadas, que criavam abertura de espaços entre defesas, aproveitados pelos homens da segunda "onda", com linhas de corrida divergentes. E tudo aquilo se desenrolava num bailado fluído, mudo, indiferente ao ponto do campo ou jogada pedida, a partir de fases estáticas ou em "jogo corrido", com o resultado de inevitáveis quebras de linha e, não raras vezes, ensaios.

À partida, existe desde já um desiquilibrio na equação, e que não tem uma solução rápida ou fácil. Ao organizar-se em dois planos, o ataque coloca no mesmo espaço mais homens que a defesa, organizada em linha simples.


 E as possibilidades são infinitas.

PLANOS ATACANTES

Os planos atacantes distintos (tipicamente 3 em fases estáticas ou fases mais organizadas do jogo) surgiram como resposta ao aumento da velocidade da linha na subida/pressão defensiva. Organizados numa linha contínua, e com a introdução da defesa "rush"e muitas vezes de uma linha "em banana", tornou-se cada vez mais difícil de colocar a bola nos espaços exteriores para exploração do maior espaço entre defesas ou mesmo de vantagens númericas. Ou seja, a defesa passou a conseguir antecipar o ponto de encontro entre a linha atacante e a linha defensiva, passando a "matar" jogadas muito mais cedo.


Ao lançar um plano (unidade) com potenciais/efectivos atacantes para junto da linha de vantagem, os primeiros defensores ficam comprometidos, impedidos de deslizar. Ao colocar um elemento de ligação e um segundo plano (unidade) bem mais profundo, neutraliza-se a acção do(s) elemento(s) mais adiantado(s) da linha defensiva, mesmo "em banana", mantendo-se a capacidade de ataque do espaço criado.



A fórmula pode ser usada em jogadas de primeira fase.

Pode também ser usada em fases de jogo primárias, perante defesas organizadas, permitindo a colocação da bola nos canais exteriores, onde a possibilidade de sucesso no 1x1 é superior, por ali existir mais espaço entre defesas para ser explorado pelos homens mais rápidos da equipa. 

Finalmente, serve como maquete para organização em momentos de vantagem numérica relativa (um 5x3 por ex.), assegurando a manutenção do espaço exterior/vantagem, sobretudo em fases de maior pressão defensiva (22 metros atacantes, por exemplo, onde a defesa preocupa-se mais com a velocidade de subida que com a manutenção da estrutura defensiva).

A Inglaterra, particularmente, tem recorrido ao "template", apresentando um modelo em que se organiza em 2 ou 3 planos, e em que é comum a unidade estar organizada em duas linhas (imagens retiradas a excelente análise de Jeremy Guscott, na Sky Sports).






terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Cinco Previsões para o Inglaterra - Irlanda

Com a devida vénia ao David Andrade, Sofia Peres e Daniel Azevedo, deixo-vos a minha última crónica para o excelente P3, aproveitando para recomendar o que de muito bom se escreve por lá.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

5 Ideias sobre o Irlanda v Gales

Tenho o enorme gosto de colaborar com o mais recente projecto "media" na área do Rugby, o P3 Rugby, uma criação de David Andrade, jornalista do Público. 

Encontramos no P3 notícias sempre actualizadas, bem como a opinião de gente ilustre, como o Arquitecto João Paulo Bessa, Francisco Pereira Branco, Miguel Portela, Sofia Nobre, Paulo Duarte, Rafael Lucas Pereira ou Joaquim Ferreira.

Podem ler o meu primeiro contributo aqui

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Algumas notas técnicas sobre o França v Inglaterra

Muito tem sido dito e escrito sobre o jogo entre a França e a Inglaterra. E tem-se concluído, genericamente, que a Inglaterra jogou mais e melhor; aliás, as estatísticas - as mais óbvias, pelo menos -  parecem indicar isso mesmo. 


E no entanto, a França dominou a Inglaterra na "melee", espremendo duas penalidades/6 pontos a Dan Cole e negando uma plataforma de ataque importante aos Ingleses. Já explica qualquer coisinha. Mas a surpresa dos números tem ainda mais pano para mangas. A França registou mais quebras de linha (10 v 8), concedeu metade das penalidades (4 v 8 e Doussain falhou pelo menos 6 pontos), placou mais e mais eficazmente (151 e 85% v 116 e 82%) e fez marginalmente mais "offloads" (17 v 15). Ou seja, com menos posse de bola e menor domínio territorial, a França atacou qualitativamente tanto quanto a Inglaterra - ou até um pouco mais, até porque marcou mais um ensaio (3 v 2). 


Relembra-me as conclusões de, entre outros, João Paulo Bessa, no seu excelente XV contra XV, após o Austrália v África do Sul para o transacto Mundial, em que os Australianos sem tocar na bola ganharam o jogo. Sorte, injustiça, arbitragem. Talvez não.  Foi então que ganhou dimensão palpável a crise do paradigma da posse de bola e domínio territorial como receita infalível para a vitória. Nada prevalece sobre a qualidade de utilização, que resulta em ensaios e pontos. "Basta" ter uma defesa à prova de bala a acompanhar. 

É por isto que questiono o optimismo Inglês, que nos fala de uma suposta fluidez no jogo, na novel capacidade de Owen Farrel jogar na linha de vantagem, ora penetrando a linha defensiva, ora fixando defesas deslizantes e preservando o espaço exterior para centros e 3 de trás, na sobrehumana capacidade física de Billy Vunipola, etc etc etc. É claro que Farrel aparece melhor este ano, é evidente que Vunipola teve um jogo memorável, mormente na penetração e passe para o ensaio de Luther Burrel, é claro que o jogo foi agradável e a Inglaterra teve momentos interessantes. 

E no entanto, julgo que o treinador competente consegue distinguir entre o que foi construído e o que é resultado de uma oferta. Clive Woodward acredita piamente que, não fossem as substituições de Lancaster, a Inglaterra teria ganho. Dean Ryan, um dos optimistas moderados, escreveu sobre o tema e vale a pena ler.  Já Will Greenwood - um iluminado no que toca à análise - resumiu de forma sublime aquilo que procurarei demonstrar: a Inglaterra cometeu grandes erros, mas perdeu pelo acumular das pequenas incompetências. 


E porque o tempo é pouco e a paciência do leitor finita, vou resumir a análise aos ensaios e à forma como surgem. Avancemos pela ordem em que foram surgindo, cada um com direito ao seu "post".

30 segs - Yohan Huget (França)

Foram várias as vozes que justificaram os dois primeiros ensaios Franceses com azar no ressalto da bola. E de facto, em dois pontapés, a bola caiu, direitinha, nos braços de jogadores Franceses, que a levaram para lá da linha de ensaio, para 5 pontos.

Aos 30 segundos, Plisson (10) executa um pontapé rasteiro nas costas da linha defensiva Inglesa e Huget (14), com tempo para dominar a bola no peito, abraça o "melão" à segunda e passa por um surpreendido Mike Brown (15). A segunda cortina de Danny Care (9) chega tarde para evitar o ensaio. Ponto Final Parágrafo? Não. Na minha opinião não, e houve vários pequenos erros que contribuíram decisivamente para que Huget tivesse tempo e espaço para recolher a bola. Analisemos:


Depois do primeiro adiantado do ponta estreante Jack Nowell (14), a França organiza uma primeira fase sem grande ciência. Apenas um jogador disponível para receber - Papé (5), dois apoios axiais e um interior.  Linha defensiva Inglesa bem organizada, em linha, com excepção de Wood (6) ligeiramente atrasado. O ponta Johny May (11), no lado aberto/esquerdo, subido. 

O posicionamento de May é aceitável porque a bola está próxima dos 22m (menos espaço nas costas para defender). Mike Brown em posição central, parece controlar a bola, que será levada para um segundo contacto/ruck na parte direita do terreno. Nowell reposiciona-me e está ainda a cobrir o lado fechado após saída da bola do primeiro ruck.


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O segundo ruck é bem lento, com os ingleses a conseguirem, com 2 homens apenas (Hartley e Lawes) atrasar a saída de bola. Nota-se a preocupação dos Ingleses em não inundarem a zona do contacto/ruck com defesas, optando por colocar mais rapidamente homens na linha defensiva, com dois propósitos: ocupação rápida de uma maior largura de terreno, e subida mais rápida e pressionante da linha defensiva (com mais homens, é preciso deslizar menos, em princípio). 

Doussain (9) passa a bola para Nyanga (6) estático, o que permite o ganho de terreno significativo da defesa Inglesa, que subiu na agora muito em voga cunha invertida, com o jogador mais adiantado da linha a posicionar-se no meio, descrevendo um V com os defensores interiores e exteriores. Este V permite conjugar a pressão da defesa "blitz" (até ao homem mais adiantado) com a ocupação deslizante dos homens exteriores, que trabalham em conjunto com a segunda cortina. Momento fantástico da defesa Inglesa, que permite que o terceiro ruck se forme uns 5 metros atrás do ponto de partida da bola.

E aqui começam as questões relativas ao processo de decisão dos defensores Ingleses.


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Nyanga consegue, a partir de uma posição estática, ganhar 1 metro no contacto, e Tom Wood placa baixo, colocando o jogador rapidamente no chão - VITÓRIA DA DEFESA, bola disputável. Os primeiros a chegar à zona de contacto, em posição legal, são Robshaw (7) e Owen Farrel (10). Basteraud (13) e Flanquart (4) chegam mais tarde. Aparentemente, uma oportunidade ideal para forçar uma recuperação de bola.


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No entanto - talvez seguindo as instruções para dar prioridade à recolocação na linha defensiva em detrimento da disputa de bola no chão - Farrel nem sequer pensa na bola.


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E a Basteraud bastou lidar com Robshaw, cabendo a Flanquart fazer aquilo a que se deliberou designar no jargão internacional o "firewall": a protecção do ruck limpo.

Oportunidade perdida? Respeito pelo plano defensivo de jogo?


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Os Franceses ganham o direito a um ruck rápido, e a bola é disparada para um Plisson muito profundo, com Fofana (12) e Brice Dulin (15) ainda mais profundos, e Huget (14) colado à linha, à espera de um passe longo. Ou de um pontapé rasteiro nas costas. Repare-se igualmente como Jonhy May perdeu Huget de vista e olha para o espaço interior, para a bola. 


E a defesa Inglesa sobe pressionante, perante uma linha Francesa profunda. O objectivo seria ganhar rapidamente terreno e reduzir espaço e tempo de manobra aos quatro 3/4 Franceses que compunham o ataque. Mas os Ingleses foram incompetentes na decisão em dois aspectos:


1 - porque o ruck Francês foi extremamente rápido, Owen (10) e Marler (1) acabam por se atrasar na subida, e Twelvetrees (12), o terceiro homem na linha, dispara mas fica com Plisson, o primeiro receptor, deixando um 2 x 3 fora de si, que Plisson preferiu ignorar em detrimento do pontapé já aguardado por Huget.


2 - colectivamente, o 3 de trás Inglês não reagiu e deixou demasiado espaço nas costas de May, talvez congelados pela ideia que o jogo decorria praticamente nos 22m defensivos. A verdade é que tinham (com a área de ensaio incluída) 40 metros nas costas da linha para defender, e havia que reagir de forma diferente.


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Foi Phil Larder, antigo treinador de defesa da Rosa, quem introduziu ou pelo menos popularizou a defesa "Iron Curtain", que incluia, entre outras inovações, a basculação integrada de um diamante formado por 9 - 11 - 14 - 15 por detrás da linha defensiva. No caso concreto, duas coisas poderiam/deveriam ter sucedido, por iniciativa dos jogadores:

A - Johny May podia ter-se apercebido do recuo dos Franceses no terreno e da paridade númerica defensiva, deixando-se recuar face ao penúltimo defensor Inglês, permitindo a Mike Brown manter a sua posição profunda e a Nowell (14)  manter a defesa da diagonal interior profunda; ou



B - apercebendo-se do avanço de May, Brown subia um pouco no terreno defendendo o espaço imediato atrás de May, obrigando à aproximação de Nowell que defenderia o espaço axial profundo.




Nada disto sucedeu, e Plisson colocou a bola no espaço livre nas costas de May.


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Finalizando a análise crítica - e não perco de vista o facto de as coisas no campo serem muito diferentes, e mais difíceis, do que num ecrã de computador ou TV - a linha de corrida de Danny Care (9), que foi correcta, mas sempre em trote; apenas arranca quando Huget bate um Brown surpreendido pelo ressalto  da bola e consequente domínio de peito pelo Francês.

Primeiro responsável pela segunda cortina defensiva, não só Care chegou tarde a Huget, o que se compreende porque a acção decorre junto à linha lateral, como chegaria seguramente tarde a Brice Dulin caso Huget conseguisse fazer o "offload" se placado por Brown, o que já se compreende mais dificilmente, pois é precisamente para isso que serve a segunda cortina. 


Talento Francês? Algum

Sorte Francesa? Alguma

Incompetência tática Inglesa? Em certa medida. E este será o elemento em que Stuart Lancaster quererá concentrar-se, por ser o único que domina.

16min 50segs - Yohan Huget (França)

O segundo ensaio Francês nasce de uma perda de bola no contacto de Tom Wood (6), forçada por uma placagem excelente de Nyanga (6).


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Com a bola recuperada, a França procura rapidamente o espaço exterior aproveitando um Mike Brown (15) em recuperação, um Alex Goode (23) bem profundo, acabado de entrar para o lugar de May (11) ocupando na altura a ponta esquerda, Nowell (14) na sua ponta direita igualmente em trote de recuperação, e Care (9) atrasado, envolvido no aglomerado que resulta na perda de bola.

Boa decisão Francesa, mas melhor reacção Inglesa, que na transição defensiva demora menos de 2 segundos a organizar uma linha defensiva com 4 homens + Alex Goode na ponta.


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Mas com 4 +1 na linha defensiva, eis que o quarto homem, Burrell (13),  dispara à frente dos 3 defesas interiores, anulando o efeito pressionante/deslizante que estes poderiam ter. Note-se que o receptor Francês, Fofana (12) está bem profundo, tornando quase impossível que Burrell consiga placar homeme e bola; que seria a única forma de evitar o passe para Huget (14), porque Alex Goode continuava profundo.



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Isolado perante um 2x1, Burrell placa Fofana, embora concedendo terreno e permitindo que este liberte Huget, solto na ponta. Goode reage tarde e dá 3 metros a Huget, bem mais rápido que ele.

Erro de Burrell? É complicado avaliar. Provavelmente falta de comunicação de Goode, na ponta, que deve transmitir para "dentro" a sua posição e o estilo de defesa a adoptar. Para que a decisão de Burrell fosse eficaz, teria de ser acompanhada pela subida também de Goode, a qual criaria paridade defensiva e retiraria espaço ao ataque Francês.

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Sem surpresa, Huget ganha o espaço exterior a Goode e faz um "offload" para Brice Dulin (15). Com igualdade numérica defensiva e a linha defensiva espantosamente bem organizada após a perda de bola, a Inglaterra permite que a França, com uma simples lateralização de jogo, sem mudanças de linhas de corrida, passe a jogar entre linhas - o espaço tão difícil de defender entre a primeira linha defensiva e as cortinas defensivas.


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E Brice Dulin fica entre 4 defensores Ingleses - Goode em recuperação, Brown em frente, Care na segunda cortina curta, Nowell na cortina distante (já aqui se antecipa a intervenção potencial deste no final do lance). E o apoio Francês resume-se a Huget, já que ninguém converge para o ponto de quebra da linha defensiva, quando Dulin recebe o passe de Huget.

O chuto especulativo acaba por terminar nas mãos de Huget, e aqui sim, houve sorte - muita - Francesa na forma como o "melão" acaba nas mãos do ponta direito Gaulês. Mas antes, houvera inabilidade Inglesa na forma como não foram capazes de anular um contra-ataque aparentemente simples dos Franceses. A bola de contra-ataque confirma a sua apetência para gerar 5 pontos.

36min 27segs - Mike Brown (Inglaterra)

Após algumas fases com rucks rápidos por parte da Inglaterra, Nyanga (6) deixa o braço sobre a bola num "ruck" Inglês e cede penalidade. Danny Care (9), muito dinâmico, joga rápido.


Joe Launchbury (4) limpa o ruck de forma exemplar, e Hartley (2) faz as vezes do formação e passa a bola.


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A bola acaba por não encontrar as mãos do receptor pretendido, e Owen Farrel (10) deixa-a bater no chão e passar. Em boa hora o fez, porque Picamoles (8) saiu disparado da linha e teria placado homem com bola, colocando ponto final no lance. A bola no chão acabou por ser mal que veio por bem, para os Ingleses. 


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É Billy Vunipola (8) que capta a bola. Tem Mike Brown (15) à sua esquerda e dois defesas - Flanquart (4) e Huget (14) para bater: um clássico 2x2 na ponta. Quando apanha a bola, Flanquart está ligeiramente atrasado e Huget com uma postura correcta, em posição interior a Mike Brown, com o ombro exterior alinhado face ao ombro interior do 15 Inglês. Vunipola poderia ter forçado um pouco o espaço entre os dois defensores, com o intuito de virar os ombros de Huget para dentro, mas optou pelo passe imediato. 

Ao fazê-lo, criou um 1x1 difícil para Mike Brown, e o resultado mais provável era a jogada acabar em touche para os Gauleses.


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Mas Huget "borra a pintura", ao deixa que Brown prejudique o alinhamento de ombros que mantinha. Face a um bater de pé subtil de Brown, Huget deixa que o seu ombro interior passe a estar alinhado com o ombro exterior de Brown e deixa o seu ombro interior vulnerável. 

É claro que tudo se passa muito rapidamente, mas Brown só tinhas duas possibilidades: forçar o espaço exterior, mas com 5 metros até à linha de ensaio, Huget tinha a velocidade e postura corporal para o empurrar para fora; ou tentava explorar o ombro interior de Huget, algo que só poderia suceder se este ultrapassasse o espaço ideal defensivo. 

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E foi o que sucedeu. Mike Brown marca um ensaio fantástico, que começou em Care, continuou em Launchbury, mas deve-se em larga medida à sua capacidade física para levar 3 defensores consigo para dentro da área de ensaio, mas também ao desacerto de Huget, que não soube manter o seu ombro exterior/forte alinhado para a placagem, perdendo a possibilidade de anular o perigo Inglês.

48mins 10 segs - Luther Burrell (Inglaterra)

E no início da segunda parte, a Inglaterra marca o segundo ensaio. Owen Farrel (10) lança um pontapé alto, ainda dentro dos seus 22m, que o 3 de trás Francês na consegue captar. A bola é recuperada pelos Ingleses.


Forma-se um ruck nos 40m Franceses, do lado direito. Os Franceses têm um linha com 6 defensores, mais Brice Dulin (15) a defesa. Os Ingleses têm sete atacantes. Farrel pede a bola a 10m (bem profundo) da linha Francesa e quando a recebe avançou 2 metros. É natural que a linha defensiva Francesa suba rapidamente nos primeiros 2 metros, mas depois era importante olhar, tentar deslizar pelo menos um homem e obter igualdade numérica para voltar a fechar o espaço atacante.

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Plisson (10), num dos momentos em que a sua inexperiência mais se notou, dispara para Owen Farrel, quando tinha Picamoles (8) dentro de si, disponível para deslizar e ficar com o 10 Inglês. Ao subir muito mais rápido que Picamoles e Nyanga (6), Plisson criou aquilo que os Britânicos designam por dog leg, i.e. uma perna de cão, numa alusão ao desvio angular criado por um ponto adiantado numa linha que se pretende continua. 

A Inglaterra tinha um grupo formado por Farrel, com Twelvetrees (12) no apoio lateral curto e Vunipola (8) no apoio axial. A movimentação adoptada é sobejamente conhecida - foi disseminada no início do Século XXI pela Austrália e NZ nas suas visitas à Europa, em Novembro - e vê Twelvetrees chegar à linha de vantagem numa trajectoria curta (o denominado "under") e Vunipola surgindo nas suas costas para atacar o espaço criado pela atracção do defesa por Twelvetrees. O que acabou por nem ser necessário, já que Plisson não placar ninguém, antes deixando um buraco enorme que Vunipola aproveitou - mas também podia ter sido Twelvetrees a penetrar.

E a Inglaterra passava a jogar entre linhas. Repare-se neste momento de penetração, a que distância estava Burrell (13) de Vunipola.

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O que se seguiu foi um espetáculo de poderio físico e técnico de Vunipola, que placado por Nyanga e acossado por Brice Dulin, consegue fazer o passe para Burrell sem que seja interceptado por Basteraud (13). Muito bem acompanhado por Burrell que, seguindo a velha máxima que entre linhas, todos os apoios devem convergir para o portador da bola, aproximou-se o suficiente para receber o passe de Vunipola e marcar entre os postes.

Veredicto: erro grosseiro de Plisson, que ofereceu uma quebra de linha à Inglaterra; mestria de Vunipola e Burrell entre linhas, para passar a Inglaterra para a frente do marcador. 

76mins 37 segs - Gael Fickou (França)

Os Franceses, sempre os Franceses, a tirarem um Ás da manga e a virarem um jogo do avesso. Neste casos dois Ases trunfo, Swarzeski e Fickou.



Minuto 76, os Franceses têm a bola. Depois de um ruck nos 40 metros ofensivos, junto à linha lateral direita, a equipa Gaulesa tem 10 homens na sua linha atacante, organizada em 3 planos ofensivos bem marcados (a este tema dos planos regressaremos, por ser recorrente e particularmente caro ao escriba). Os Ingleses, por seu turno, têm 11 homens de pé, 9 perfeitamente integrados na linha defensiva, um ponta direito (Burrell, adaptado) ligeiramente recuado e um jovem cansado que não teve pulmão para integrar a linha e permitir a paridade numérica. Perante este cenário, quem poderia prever um ensaio?


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É feito um passe para a terra de ninguém e a bola cai na zona central do terreno. A defesa Inglesa sobe e recupera mais de 5 metros, a falta de placagem eficaz permite que o portador da bola Francês recupere os metros perdidos e - mais grave - recicle a bola com enorme rapidez.

A bola sai para Brice Dulin (15) que tem à sua esquerda, bem abertos, Swarzeski (16), Fickou (23) e Maxime Medard (11). 4 atacantes portanto. Os Ingleses têm 3 defensores bem juntos do ruck, incluindo Barritt (22) e Launchbury (4), Burrell (13) profundo a cobrir Medard, e ainda o defesa Goode. 4 homens + 1, portanto, para lidar com o que aí vem.


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Mas os 3 primeiros defensores Ingleses estão demasiadamente próximos para o que o ataque propõe como questão a resolver. Diz a cartilha universal que os defensores mais próximos do ruck não deverão ter mais de um braço, um braço e meio a separá-los. Mas se o que eles estão a defender é um espaço vazio (ver a foto em cima) e existem 3 atacantes em posição mais alargada, há que alargar e colocar defensores onde estão os atacantes, salvaguardando a protecção do ombro interior. Para juntar o insulto à ofensa, o último dos três defensores é Launchbury, um homem lento e cansado, que tem Barritt, centro acabado de entrar, dentro de si a defender o espaço vazio. 

Swarzeski apercebe-se que tem de atacar o espaço entre Launchbury e Burrell, porque um passe directo para Fickou permitirá aos Ingleses deslizar. É imprescindível fixar a defesa e proteger a vantagem exterior existente. Com muito mais tempo e espaço, Swarzeski faz o que Vunipola não fez no lance do ensaio de Brown e ataca o ombro exterior de Launchbury.

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No momento em que Burrell, sem rotinas de ponta, cede à tentação de ensaiar a placagem ao talonador Francês, este liberta a bola para Fickou, que já só tem de lidar com Alex Goode. Um 2x1 com Medard. 

O rugby é um desporto fascinante, por ser composto por milhares de pequenos "puzzles", cuja solução depende, de forma encadeada, da decisão de cada um dos jogadores em determinado momento. Rugby sublimado. 

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Alex Goode, bem dentro dos 22m defensivos, só tinha de atacar Fickou, esperando que a pressão exercida fizesse o jovem centro Francês tremer no passe. Ao invés, "engoliu" a finta de passe que este apresentou, para um ensaio memorável que deu a vitória à França.

E no final, conclui-se que a sorte ou o azar pouco peso tiveram na história deste jogo e na composição do seu resultado. A França, com uma "mellee" impecável e uma touche sólida, mostrou ter um "pack" avançado sem o andamento dos Ingleses, uma ideia de jogo pouco coerente (que criaram os Franceses de forma estruturada?) e uma defesa individual feroz, que deverá evoluir para uma defesa colectiva mais organizada. Ainda assim, a execução técnica individual dos seus jogadores permitiu-lhe marcar 3 ensaios contra uma Inglaterra organizada do ponto de vista atacante, sempre com dois planos atacantes, a la Canterbury Crusaders de Blackadder, Rob Penney (hoje no Munster), Daryl Gibson (hoje nos Waraths), etc., mas ainda com pequenos equívocos na compreensão e execução do plano de jogo (ofensivo e defensivo).