sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Linhas e Planos de Ataque - Decifrar a Tendência

Não consigo, nos últimos anos e entre as equipas de topo, encontrar um modelo de organização atacante que não incorpore, ainda que circunstancialmente, as denominadas "ondas" ou "linhas" de ataque, e uma pluralidade de planos. Os jogos teste de Novembro de 2013, e agora duas (prestes a serem três...) jornadas de 6 Nações, confirmaram uma tendência evidente, cuja autoria desconheço mas que se tornou relevante ainda nos tempos de "Super 12", e antes de todas, com as equipas Neozelandezas.

Foi ao reler Stuart Lancaster, e concretamente um documento de 2005 que pode ser consultado aqui, que tive a curiosidade de recuperar a consciência dos benefícios e propósitos destes dois recursos tácticos, procurando substanciar esta minha noção de acerto intuitivo que prevalece no olho de quem vê sem analisar.  

Na enumeração de alguns princípios que compõem a sua filosofia de jogo, Lancaster enumera um, em particular, que nos remete para o tema que nos detém:

Aim to play through the defensive line as well as round the outside.

Estamos no campo das evidências, mas nem tudo o que poderia ter sido dito por La Palice é para deitar ao lixo; são elas que nos devolvem a essência do jogo, evitando que nos percamos por entre os artíficios tácticos engendrados por jornadas consecutivas de "xadrês táctico". Com tanta onda, plano, dobra, cruzamento e salto, corremos o risco de perder de vista a simplicidade do jogo, que trata de andar para a frente e fazer toque de meta lá ao fundo. Mas a sofisticação e eficácia defensiva, que é ainda hoje a forma mais imediata de assegurar competitividade - recuso-me a aceitar o anátema que as defesas ganham o que seja - aguça o engenho de quem pensa o ataque. 

E se a organização em duas "linhas" ou "ondas" trata de organizar um núcleo de jogadores com o propósito de, num determinado momento atacante, quebrar/perfurar uma linha defensiva organizada, já a introdução de distintos planos atacantes introduz um modelo global para concentrar defesas em zonas centrais e, evitando o efeito estrangulador da grande velocidade de subida da linha defensiva, assegurar que existe um grupo de jogadores suficientemente profundo para atacar uma situação de vantagem, ou menos profundo mas no espaço certo para atacar a ausência de defesas na zona lateral. 

Ou seja, "ondas" para tratar de quebrar a linha defensiva (play through the defensive line); planos para atacar o espaço exterior disponível (round the outside).

TÁCTICA DAS DUAS ONDAS (OU A "SERRILHA")

 As Duas Ondas ou "Serrilha", por Dan Cottrell 

Lembro-me bem do dia em que, há uns anos atrás, comecei a reparar que os Crusaders organizavam o seu ataque em duas linhas distintas, duas ondas na designação saxónica, com os homens da segunda linha posicionados nos intervalos criados pelos homens da primeira. Recordou-me uma "serrilha", e foi assim que tentei debater o conceito com os restantes membros da equipa técnica que integrava na altura. 


Era uma forma de organização diferente do padrão que na altura começara a ser introduzido e aperfeiçoado entre nós, inspirado nas mini-jogadas ou mini-grupos, com manobradores, engodos, penetradores e apoios, sublimado pelo Direito de Hourcade e Frederico Sousa, seguramente uma das melhores equipas que vi jogar em Portugal, e protagonizado de forma absolutamente inédita pelo CDUP de "Iei", um dos treinadores que defrontei com maior orginalidade e competência táctica. 


 E a "serrilha", personificada genericamente pelas equipas do Super Rugby (Super 12 na altura), tinha tanto de fácil - uma ilusão - como de eficiente - um facto. Atacando a linha defensiva, os homens da primeira "onda" assumiam linhas de corrida acentuadas, que criavam abertura de espaços entre defesas, aproveitados pelos homens da segunda "onda", com linhas de corrida divergentes. E tudo aquilo se desenrolava num bailado fluído, mudo, indiferente ao ponto do campo ou jogada pedida, a partir de fases estáticas ou em "jogo corrido", com o resultado de inevitáveis quebras de linha e, não raras vezes, ensaios.

À partida, existe desde já um desiquilibrio na equação, e que não tem uma solução rápida ou fácil. Ao organizar-se em dois planos, o ataque coloca no mesmo espaço mais homens que a defesa, organizada em linha simples.


 E as possibilidades são infinitas.

PLANOS ATACANTES

Os planos atacantes distintos (tipicamente 3 em fases estáticas ou fases mais organizadas do jogo) surgiram como resposta ao aumento da velocidade da linha na subida/pressão defensiva. Organizados numa linha contínua, e com a introdução da defesa "rush"e muitas vezes de uma linha "em banana", tornou-se cada vez mais difícil de colocar a bola nos espaços exteriores para exploração do maior espaço entre defesas ou mesmo de vantagens númericas. Ou seja, a defesa passou a conseguir antecipar o ponto de encontro entre a linha atacante e a linha defensiva, passando a "matar" jogadas muito mais cedo.


Ao lançar um plano (unidade) com potenciais/efectivos atacantes para junto da linha de vantagem, os primeiros defensores ficam comprometidos, impedidos de deslizar. Ao colocar um elemento de ligação e um segundo plano (unidade) bem mais profundo, neutraliza-se a acção do(s) elemento(s) mais adiantado(s) da linha defensiva, mesmo "em banana", mantendo-se a capacidade de ataque do espaço criado.



A fórmula pode ser usada em jogadas de primeira fase.

Pode também ser usada em fases de jogo primárias, perante defesas organizadas, permitindo a colocação da bola nos canais exteriores, onde a possibilidade de sucesso no 1x1 é superior, por ali existir mais espaço entre defesas para ser explorado pelos homens mais rápidos da equipa. 

Finalmente, serve como maquete para organização em momentos de vantagem numérica relativa (um 5x3 por ex.), assegurando a manutenção do espaço exterior/vantagem, sobretudo em fases de maior pressão defensiva (22 metros atacantes, por exemplo, onde a defesa preocupa-se mais com a velocidade de subida que com a manutenção da estrutura defensiva).

A Inglaterra, particularmente, tem recorrido ao "template", apresentando um modelo em que se organiza em 2 ou 3 planos, e em que é comum a unidade estar organizada em duas linhas (imagens retiradas a excelente análise de Jeremy Guscott, na Sky Sports).






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