Minuto 76, os Franceses têm a bola. Depois de um ruck nos 40 metros ofensivos, junto à linha lateral direita, a equipa Gaulesa tem 10 homens na sua linha atacante, organizada em 3 planos ofensivos bem marcados (a este tema dos planos regressaremos, por ser recorrente e particularmente caro ao escriba). Os Ingleses, por seu turno, têm 11 homens de pé, 9 perfeitamente integrados na linha defensiva, um ponta direito (Burrell, adaptado) ligeiramente recuado e um jovem cansado que não teve pulmão para integrar a linha e permitir a paridade numérica. Perante este cenário, quem poderia prever um ensaio?
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É feito um passe para a terra de ninguém e a bola cai na zona central do terreno. A defesa Inglesa sobe e recupera mais de 5 metros, a falta de placagem eficaz permite que o portador da bola Francês recupere os metros perdidos e - mais grave - recicle a bola com enorme rapidez.
A bola sai para Brice Dulin (15) que tem à sua esquerda, bem abertos, Swarzeski (16), Fickou (23) e Maxime Medard (11). 4 atacantes portanto. Os Ingleses têm 3 defensores bem juntos do ruck, incluindo Barritt (22) e Launchbury (4), Burrell (13) profundo a cobrir Medard, e ainda o defesa Goode. 4 homens + 1, portanto, para lidar com o que aí vem.
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Mas os 3 primeiros defensores Ingleses estão demasiadamente próximos para o que o ataque propõe como questão a resolver. Diz a cartilha universal que os defensores mais próximos do ruck não deverão ter mais de um braço, um braço e meio a separá-los. Mas se o que eles estão a defender é um espaço vazio (ver a foto em cima) e existem 3 atacantes em posição mais alargada, há que alargar e colocar defensores onde estão os atacantes, salvaguardando a protecção do ombro interior. Para juntar o insulto à ofensa, o último dos três defensores é Launchbury, um homem lento e cansado, que tem Barritt, centro acabado de entrar, dentro de si a defender o espaço vazio.
Swarzeski apercebe-se que tem de atacar o espaço entre Launchbury e Burrell, porque um passe directo para Fickou permitirá aos Ingleses deslizar. É imprescindível fixar a defesa e proteger a vantagem exterior existente. Com muito mais tempo e espaço, Swarzeski faz o que Vunipola não fez no lance do ensaio de Brown e ataca o ombro exterior de Launchbury.
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No momento em que Burrell, sem rotinas de ponta, cede à tentação de ensaiar a placagem ao talonador Francês, este liberta a bola para Fickou, que já só tem de lidar com Alex Goode. Um 2x1 com Medard.
O rugby é um desporto fascinante, por ser composto por milhares de pequenos "puzzles", cuja solução depende, de forma encadeada, da decisão de cada um dos jogadores em determinado momento. Rugby sublimado.
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Alex Goode, bem dentro dos 22m defensivos, só tinha de atacar Fickou, esperando que a pressão exercida fizesse o jovem centro Francês tremer no passe. Ao invés, "engoliu" a finta de passe que este apresentou, para um ensaio memorável que deu a vitória à França.
E no final, conclui-se que a sorte ou o azar pouco peso tiveram na história deste jogo e na composição do seu resultado. A França, com uma "mellee" impecável e uma touche sólida, mostrou ter um "pack" avançado sem o andamento dos Ingleses, uma ideia de jogo pouco coerente (que criaram os Franceses de forma estruturada?) e uma defesa individual feroz, que deverá evoluir para uma defesa colectiva mais organizada. Ainda assim, a execução técnica individual dos seus jogadores permitiu-lhe marcar 3 ensaios contra uma Inglaterra organizada do ponto de vista atacante, sempre com dois planos atacantes, a la Canterbury Crusaders de Blackadder, Rob Penney (hoje no Munster), Daryl Gibson (hoje nos Waraths), etc., mas ainda com pequenos equívocos na compreensão e execução do plano de jogo (ofensivo e defensivo).
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