quarta-feira, 18 de junho de 2014

"Earning the right to go wide" - falência de modelos

Tive o distinto prazer de ser treinado no CDUL por João Paulo Bessa (cujo verbo pode ser consultado no seu XVcontraXV e no P3) e tenho o ainda maior prazer de ser seu amigo, e de com ele poder falar sobre rugby. O arquitecto ensinava com singular simplicidade o muito discutido, e em voga, conceito de ganhar o direito a alargar o perímetro de jogo (earning the right to go wide), recorrendo apenas aos seus braços.

A ideia é simples. A linha defensiva organizada ocupa o espaço disponível para atacar. 

Ao atacar a linha defensiva, e quebrar essa mesma linha, obrigamos a defesa a concentrar e contrair, libertando espaço exterior. Ou seja, ao vencermos a batalha física, obrigamos o adversário a chamar mais recursos (homens) para o ponto de quebra; homens que passarão a faltar nos corredores exteriores (ou interiores, se não houver reorganização defensiva). 



E se esta ideia é insofismável, reflectindo na perfeição o imperativo do domínio físico da colisão como pressuposto táctico para o sucesso, a interpretação que alguns dela fazem, ainda que circunstancialmente, pode ser redutora. Warren Gatland, um dos mais bem sucedidos treinadores da era moderna, que o diga. 

Gatland distinguiu-se em Waikato, de onde herdou a superioridade no confronto físico como elemento essencial da sua forma de jogar. Com quinze jogadores directos e prevalecentes na colisão, com capacidade para gerar bola rápida no "ruck", e com uma dinâmica de sucessão de "rucks" curtos (o chamado "around the corner"), Gatland juntou-lhe uma defesa pressionante dominante, cortesia de Shaun Edwards, e um jogo ao pé apostado em manter a bola dentro de campo, ciente que as leis de jogo na primeira década do Séc. XXI favoreciam a defesa e a recuperação de bola, no jogo no chão. Foi assim que dominou o campeonato Inglês nos anos 90, com os Wasps, que venceu 3 Seis Nações, incluindo 2 "Grand Slams", e a primeira vitória dos Lions, em 16 anos, frente à Australia em 2013. 

Mas as Seis Nações de 2014 demonstraram, com cristalina evidência, que o jogo evoluiu. Não foram os 3/4 galeses que perderam velocidade ou capacidade técnica. Deixaram foi de gozar do espaço e bola que antes lhes permitia o rugby mais vistoso a norte do equador. As duas equipas que melhor se adaptaram às novas regras e tendências tácticas, Irlanda e Inglaterra, foram as que mais intensamente brilharam na edição de 2014. E o Warrenball precisa de ir à revisão (na opinião ilustre de Clive Woodward, Brian Smith ou Gwyn Jones). Se Heineke Meyer conseguiu pôr os Springboks a jogar de forma um pouco distinta, Gatland consegui-lo-à seguramente. Material tem ele (veja-se a título de curiosidade o incrível ensaio de Cuthbert a semana passada).

A conclusão certa é que não existe, hoje, uma forma correcta de atacar. Tudo depende das questões colocadas pela defesa. 

Perante uma defesa rush out-in (como a dos Stormers ou o Wolfpack dos Saracens), podemos usar o passe ao pé para o espaço lateral vazio nas costas dos defensores exteriores pressionantes, ou organizar planos em profundidade para alargar o jogo desde as primeiras fases de jogo, aproveitando o espaço exterior disponível. 

Perante uma defesa deslizante in-out clássica, como a que os All Blacks adoptaram na primeira parte do jogo, importa atacar a linha da vantagem e "prender" a defesa, antes de alargar o perímetro.

Flexibilidade e adaptabilidade parece ser o nome fulcral no desenho de um modelo de jogo.

O modelo de jogo é a cartilha essencial que define os princípios de acção de uma equipa, introduzindo - em doses variadas, de acordo com a crença da equipa técnica - as estruturas que organizam as acções colectivas da equipa. Procura-se, desta forma, oferecer aos jogadores a segurança de um processo mental de decisão a que aderem todos os que compõe a equipa, com evidentes ganhos a nível de coordenação das contribuições individuais. A eficácia de uma equipa será sempre maior se, em determinada acção, os diversos jogadores envolvidos decidirem por referência a regras comuns, que todos compreendem e aceitam: cada um cumpre o seu papel, seguro que os papéis complementares, desempenhados pelos companheiros, serão também cumpridos e devidamente interligados ao seu. 

O modelo de jogo inclui, necessariamente, subtilezas e possibilidades, que pretendem reflectir as valências e defeitos do adversário, a especificidade das condições climatéricas, ou uma ideia concreta sobre a melhor forma de encarar um jogo específico, ou uma sua respectiva parte: são os planos de jogo. E assim conseguimos a tal flexibilidade.

Ainda recentemente Justin Marshall falava sobre a necessidade de ter um plano de jogo que sirva as características dos jogadores que o vão interpretar. Algo que Eddie Jones conseguiu implementar no Japão com sucesso assinalável, e que os Crusaders têm feito com sucesso inigualável nos últimos quase 10 anos. Contudo, Marshall, um histórico de Canterbury, considera que a adesão demasiado fiel às estruturas pensadas pelos treinadores de Christchurch retirou espontaneidade e capacidade de improviso aos jogadores. Por outro lado, Marshall também opina que o actual modelo não serve os interpretes; centrando a análise na estrutura vertical a partir de fases de jogo estáticas ou organizadas, que assenta em penetrações na primeira linha e lateralização para ataque de espaços exteriores criados, Marshall nota que sem Sonny Bill Williams e Robbie Fruean, Ryan Crotty não consegue jogar dentro da defesa com a mesma eficácia, permitindo que a defesa deslize anulando a lateralização criada na segunda linha.

Os Crusaders parecem ter ajustado o seu plano, a que não terá sido alheio o regresso de McCaw e Read, antes da paragem de Junho. Os resultados estão a surgir no momento certo.



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