quinta-feira, 13 de março de 2014

segunda-feira, 3 de março de 2014

Dissecar o Inglaterra v Irlanda

Não consegui ver os jogos durante o fim-de-semana, e acabei por vê-los em diferido. O primeiro que vi foi o Inglaterra - Irlanda. 

Os de Lancaster estudaram muitíssimo bem as lições que havia a retirar do "banho" táctico dos Irlandeses aos Galeses, e este cuidado na análise - mais do que expectável, exigível a este nível - foi evidente em dois aspectos:

Defesa de "Maul" - uma das armas introduzidas por Plumtree, Neozelandês treinador de avançados Irlandeses, que havia rendido até ao momento dois ensaios e incontáveis metros ganhos. A verdade é que os Ingleses defenderam eficazmente o "maul" Irlandês, com duas excepções; a primeira no início da segunda parte, em que cederam praticamente 15 metros em "maul" formado após "touche", a segunda no final do jogo, quando após uma "melée" e uma fase jogada para o lado aberto, Best recebe uma bola e opta por formar "maul", defendido (na minha opinião) de forma ilegal por David Atwood. Em tudo o mais, os Irlandeses tiveram de escolher outras formas de avançar. 

Três de Trás (quase) perfeito na basculação - Johny Sexton e Conor Murray bem tentaram, mas com excepção de uma inevitável subida de May para desfazer a superioridade Irlandesa, não houve um único pontapé que encontrasse as costas do 3 de trás Inglês. Mike Brown, em particular, foi exímio na forma como ocupou as costas do ponta que era obrigado a subir (não repetiu o erro cometido em Paris…) e apenas May me parece algo lento na cobertura da diagonal interior, quando Brown é obrigado a aproximar-se das costas de Nowell. O facto da Irlanda ter chutado apenas 28% da posse de bola indica que cedo perceberam que o campo estava bem ocupado.

Porque razão Sexton e a Irlanda não conseguiram impor o jogo que haviam feito contra Gales? As estatísticas entre os dois jogos são até semelhantes, na medida em que os Irlandeses ganharam todas as "touches" e "melees", registaram poucas quebras de linha, poucas penalidades, poucos "offloads", erros entre os 30 e 40.

A diferença reside, essencial e decisivamente, em três factores de análise: 

- placagem menos eficaz (94%  e 9 falhadas contra Gales, 84% e 23 falhadas com a Inglaterra), que permitiu uma quebra de linha de Brown na primeira parte (falha de Best) e o ensaio de Care na segunda (péssima defesa táctica de D'Arcy e Murray);

- má retenção da posse de bola no contacto, já que perderam 11 vezes a bola contra os Ingleses, permitindo apenas 3 "magras" recuperações aos Galeses;

- incapacidade para transformar em pontos o domínio ou a oportunidade, algo em que haviam sido exímios em Novembro ante os All Blacks, e antes, neste 6 Nações. 

Na batalha entre os "Packs", os Irlandeses foram muito melhores na "melee", sem do facto retirar grande vantagem pontual. Na "touche" os dois grupos de avançados foram perfeitos. Em termos de jogo, ligeira vantagem para os Ingleses, sobretudo ao nível da defesa, já que Vunipola (e depois Morgan), Lawes, Wood e companhia nunca conseguiram participar activamente na movimentação dinâmica atacante, i.e., não asseguraram continuidade nas quebras de linha, não ofereceram alternativas em segunda linha atacante, etc, etc. 

Surpresas? 

- a disponibilidade Irlandesa para alargar o jogo desde a primeira ou segunda fase, o que sucedeu seguramente por indicação de Schmidt, que pretendia não só surpreender uma Inglaterra à espera do jogo ao pé, mas também testar a inexperiência de Burrell, primeiro centro no Northampton, no canal defensivo do 13 - o mais difícil. Desta forma, procurava também Schmidt adiantar os pontas, procurando mais espaço para o pé de Sexton. Algo que nunca se materializou. No entanto, e com excepção dos primeiros 20 minutos, em que a Inglaterra podia ter marcado um ensaio por May, foram os Irlandeses quem mais progrediu, quem mais teve a posse de bola, quem mais jogou no campo adversário, e quem pareceu sempre mais próximo de marcar pontos. Fantástica defesa Inglesa (como exemplo, período entre os 5 e 16 minutos de jogo… inacreditável), poucas penalidades concedidas no meio campo defensivo (que limitou Sexton a um pontapé de penalidade tentado… e convertido);

- a incapacidade Inglesa em jogar no segundo/terceiro plano, insistindo na organização numa única linha, e jogando quase exclusivamente no primeiro plano, bastando-se com as perfurações próximas do ponto de quebra/agrupamento. No final do jogo, optaram (sobretudo a partir de "touche") pela exploração dos espaços exteriores, mas a organização já não ajudava. Foi surpresa, porque a Inglaterra tinha vindo, desde Novembro, a optar por um jogo multidimensional e variado, pecando apenas na execução e decisão (a chamada leitura de jogo).

Desilusão

Se há algo que os jogadores do hemisfério sul fazem bem, mesmo os Sul Africanos mas sobretudo os All Blacks e os Wallabies, é identificar espaço, correr a direito, fixar defesas e libertar atacantes. Sobretudo no contra-ataque. Foi penoso ver Sexton assassinar duas possibilidades de ouro para ensaio, ou pelo menos avanço territorial significativo, a partir de bola recuperada, com defesa concentrada, gente disponível ao largo. A mais flagrante foi ao minuto 60 de jogo. 


Da mesma forma, custa ver um putativo candidato ao Mundial de 2015 deitar ao lixo ocasião soberana para 5 pontos, que Mike Brown preferiu diluir num inacreditável "pick&go" contra 2/3 da equipa Irlandesa, quando bastava escolher um dos lados para aproveitar a vantagem númerica. São estas miudezas e delicadezas que ainda vão separando os candidatos dos demais. 



O Ensaio Irlandês

Num jogo marcado pelo equilíbrio e pela batalha no chão, era previsível que os ensaios nascessem de erros adversários. 

O primeiro ensaio, o Irlandês, nasce de um equívoco. Num "ruck" formado em cima dos 22m defensivos Ingleses, Launchbury protege o eixo, Hartley forma no lugar de primeiro defensor e Marler de segundo defensor. Existem alguns protocolos que governam a defesa em torno do "ruck", sendo que os mais comuns ordenam que o primeiro e segundo não defendam homem mas antes o espaço, deixando que o primeiro receptor seja defendido pelo terceiro defensor; ou alternativamente que o primeiro receptor atacante seja defendido pelo segundo defensor. O que não se costuma ver é sistemas defensivos que deixem que o primeiro defensor seja atraído para o primeiro receptor atacante, precisamente para evitar a abertura de espaços de penetração interior (que George Gregan explorava magistralmente com pequenos passes interiores, que o Direito de Hourcade explorava com um cruzamento e pequeno passe interior para ponta do lado fechado, etc. etc.). 




Mas foi isso que sucedeu: entre Hartley e Marler existe um espaço demasiado grande; Jamie Heaslip recebe a bola e aparentemente não tem nada de evidente para fazer, optando por contemporizar. Marler não o ataca e Heaslip tem demasiado tempo para manobrar. Acaba por atrair a placagem de Hartley, aparecendo para o passe interior, excelente, Rob Kearney, vindo do lado fechado. O'Connell, experiente, parece fazer uma pequena obstrução sobre Launchbury, que da posição de eixo também não consegue defender a linha interior de Kearney. Mas o erro já estava feito, tendo sido bem aproveitado pela Irlanda.

O Ensaio Inglês

O exemplo acabado de como a supremacia nas fases estáticas não pode ser um fim em si mesmo, mas antes uma forma de exercício de domínio que tem de resultar em pressão territorial e de posse, que por sua vez tem de redundar em pontos. 

A "melee" Irlandesa coloca muita pressão na formação ordenada Inglesa e força um passe desastroso de Morgan. A bola acaba por ser recuperada por Nowell, uns 10 metros atrás do ponto da "melee".




Mas Connor Murray falha a placagem e Nowell consegue recuperar algum terreno. Henry e sobretudo O'Mahony, os asas Irlandeses, estavam atrasados e não permitem capitalizar sobre o erro Inglês.



Forma-se um "ruck". A Inglaterra tem 7 atacantes do lado aberto, sendo que 5 concentram-se em duas linhas, num espaço de 5 metros de largura no máximo. Os Irlandeses têm 6 defesas, sendo que é Best (o segundo), quem inicia a linha de subida. Em situação de ligeira inferioridade numérica (5 x 7), aos Irlandeses é pedido que tomem uma de três decisões:

A - subida cautelosa, tendo em vista deslizar e obter igualdade numérica defensiva no canal exterior, ainda que cedendo terreno; ou

B - arriscar uma subida pressionante, tendo a certeza que os Ingleses não estão tão profundos nem tão organizados que possam libertar atacantes no canal exterior em posição de finalizar; ou

C - subir de forma mista, i.e. subir com os 2 ou 3 primeiros homens de forma pressionante, tentando uma placagem com bola e a consequente recuperação de terreno, deixando 2 homens mais profundos que, em caso de falha na pressão, deslizarão e tentaram "empurrar" o ataque para a zona lateral, esperando pelo apoio defensivo que igualará os números.

Em qualquer caso, o que não se aceita é a concessão de uma quebra de linha, que coloca o ataque a jogar entre linhas e dificulta a acção da segunda cortina defensiva. 



Com dois planos montados (Ingleses profundos) e superioridade numérica atacante, a jogar nos 40 metros atacantes (ou seja, com muito campo nas costas), não me parece que a hipótese B fosse aconselhável. E muito menos quando D'Arcy poderia facilmente ter visto que Murray estava atrasado, criando um "buraco". Por outro lado, ao subir "à queima", bastou ao seu adversário (Robshaw) explorar o espaço no ombro exterior, ainda para mais quando Murray estava tão longe. 






Com a posição corporal ganha, e apesar de placado, Robshaw faz o "offload" para Brown, que estava na segunda linha de ataque, nas suas costas (porque razão Murray formou tão longe de D'Arcy)?

E Brown quebra a linha defensiva, passando a jogar entre linhas. Rob Kearney fez um excelente trabalho ao tentar atrasar a decisão de Brown, esperando pela aproximação dos pontas e por uma segunda cortina que nunca apareceu. Brown foi exímio na forma como viu o apoio de Care e fixa Rob Kearney e Dave Kearney, libertando Care para o ensaio. 




Uma nota final para a ausência de Murray por detrás do ruck, o que privou a Irlanda de um elemento fundamental na segunda cortina defensiva. Seria a ele que caberia defender o espaço curto nas costas da linha defensiva. Na sua ausência, um dos terceiras linhas poderia ter assumido este papel...