É um enorme prazer contar com a contribuição do Rodrigo, com quem joguei no CDUL. Porque ele jamais o faria, cabe-me sublinhar a dimensão absolutamente extraordinário do Rodrigo enquanto jogador. Não fosse uma lesão, e teria sido, seguramente, um dos mais brilhantes centros nacionais. Chegou cedo aos Séniores do CDUL e rapidamente mostrou que era um jogador de eleição.
Mais tarde, quando Pedro Mello e Castro era treinador dos séniores (e eu seu adjunto), começou a colaborar connosco fazendo análises dos nossos jogos e dos adversários, que só pecavam por serem esporádicas. Eram sucintas, esclarecidas, iluminadas do ponto de vista táctico. O Rodrigo tem um excelente cérebro para o rugby e por isso é uma honra que faça doravante parte do Mister do Rugby. Enquanto não tem acesso (imposições de umas férias merecidas), publico eu a sua primeira contribuição. Peço desculpa por ser já depois do segundo jogo entre NZ e Inglaterra ter sido disputado, mas também estou por fora, com acesso limitado à internet.
Nova Zelândia – Inglaterra
Eden Park, 7 de junho de 2014
Algumas notas
Não
havia dúvidas, restava apenas saber por quantos iria ganhar a NZ.
A NZ
apesar de se ter concentrado uma semana antes do jogo tinha apenas como grande
ausência Kieron Read (se excluirmos Savea “substituído” na equipa habitual por
Cory Jane e Carter que só agora está a voltar dos seus 6 meses de leave).
No
outro lado, a Inglaterra preparava o jogo há mais tempo mas faltava-lhe quase
toda uma nova equipa, a que tinha jogado a final do Aviva Premiership no sábado
anterior (Tom Wood, Owen Farrell, Luther Burrell, Courtney Lawes, Dylan
Hartley, Chris Ashton, Billy Vunipola...) à qual acrescia Danny Care,
lesionado. Acrescendo a estas ausências, os jogadores ingleses tinham acabado
de fechar uma longa e desgastante época de clubes e viajaram meio mundo,
adicionando 11 horas aos seus relógios, para três exigentes jogos.
O
site planetrugby.com previa uma vitória da NZ por 18 pontos. Tudo apontava
nesse sentido.
Nova
Zelândia
A NZ implementou
um jogo (insistente) ao pé que não lhe é característico (nem dos seus
franchises do Super Rugby), mas que tem vindo a tornar-se uma tendência desde a
última ronda de jogos internacionais no final de 2013.
Jogo
tático de conquista territorial com pontapés para as costas dos pontas ingleses
tanto diretamente das fases estáticas ou dinâmicas por Aaron Smith como em jogo
corrido essencialmente por Cruden (excelente também nos pontapés aos postes).
Também
de jogo corrido e já bem dentro do meio campo defensivo inglês foram tentados
pequenos chutos entre linhas para pressionar ainda mais o 3 de trás inglês, mas
estes nem sempre com a eficácia desejada (Nonu com um chuto direto para fora,
entre vários outros chutos por Aaron Cruden ou Israel Dagg nem sempre a
apanharem desprevenidos os bem posicionados e atentos Mike Brown e Marland
Yarde, a mesma consistência não se viu no lado de Jonny May).
Mais
eficaz foi a utilização de up and unders que com uma pressão asfixiante e
eficaz permitiu não raras vezes recuperar a posse de bola ou forçar o erro inglês.
No
jogo à mão, a NZ utilizou várias jogadas diretas para o 3.º canal
de fases estáticas, tentando tirar partido do facto do abertura e centros ingleses
se encontrarem muito juntos e do ponta aberto se encontrar ligeiramente
recuado. Estas jogadas poderiam ter sido outro desfecho (como se viu pela
facilidade com que a NZ passou a linha da vantagem por fora aos 13m de jogo),
não fossem os invulgares erros (básicos) de handling por jogadores experientes
neozelandeses (ex. avants de Dagg aos 50m e Barret aos 60m) ou a incapacidade
dos decoys NZ em prender no interior os defesas ingleses (porque não terem
tentado a perfuração interior à medida que a preocupação inglesa com o jogo no
3.º canal NZ crescia?).
Em
termos defensivos, a NZ teve muitas dificuldades na primeira parte em defender
o jogo físico inglês à volta do ruck e na zona do 1.º para o 2.º canal, onde a
Inglaterra gosta de iniciar a sua dinâmica ofensiva. A defesa da NZ subiu de
qualidade e tornou-se mais agressiva na segunda parte, com placagens ofensivas
muitas vezes de 2x1, permitindo não só ganhar terreno a defender, mas atrasar e
desorganizar o ataque inglês.
De
realçar as dificuldades da NZ em estabilizar as suas mêllèes com muito mérito
do pack inglês confirmando uma vez mais a tendência recente nos confrontos
entre estas duas equipas.
Melhor
nas touches, mas ainda assim a sofrer uma enorme pressão (uma vez mais com
grande mérito) inglesa.
Registo
de 1 touche e 1 mêllèe de introdução própria perdidas.
O
pior terá mesmo sido a quantidade de erros individuais que permitiram inúmeras
recuperações da posse da bola pelos ingleses.
Inglaterra
Uma
surpresa a forma coesa e física como entraram dentro de campo apanhando a NZ
completamente desprevenida, basta recordar a perfuração pelo meio do ruck do
capitão Chris Robshaw (excelente leitura) ainda nem havia um minuto de jogo
corrido.
Com um modelo de jogo mais
aberto nesta era e com o cunho de Stuart Lancaster e da sua equipa técnica, a
Inglaterra foi, porém, especialmente eficaz enquanto fez/aguentou o seu jogo
físico dinâmico no 2.º canal, lançando os seus avançados (preferencialmente os
mais pesados – 1.ª e 2.ª linhas), centros e Marland Yarde. Fixações iniciais
suplementadas com rucks rápidos a garantir a continuidade de jogo e avanço no
terreno.
No ataque no terceiro canal estruturado
em 2 ou 3 planos/linhas de ataque, foram sempre previsíveis, mesmo com espaço,
permitindo uma defesa fácil das linhas NZ. Teria sido, porventura, mais eficaz
manter a bola viva no seu canal de conforto...
O ataque foi complementado com
um jogo ao pé quase sem falhas de Freddie Burns (foram os chutos dele que
muitas vezes puseram o ponto final, com vantagem inglesa, no constante
ping-pong de pontapés entre as duas equipas), não só em jogo aberto a descobrir
o espaço nas costas das unidades mais recuadas da NZ, mas também nos pontapés
aos postes.
Os up and unders foram a
tática preferida nos contra-ataques ingleses iniciados – na maioria das vezes -
com longos e altos pontapés de Mike Brown. Pontapés objeto de uma pressão asfixiante
de Marland Yarde que conseguiu muitas vezes sozinho conter os subsequentes
contra-ataques da NZ.
A defesa foi dura e com uma
pressão rápida e organizada. A utilização da placagem de 2x1 com eficácia e os
contra-rucks (em especial Robshaw) foram nucleares na estratégia para parar os
All Blacks, quebrando o seu ritmo de jogo ofensivo e permitindo vários
turnovers (foram 7 no total vs 6 da NZ).
É também de realçar que a
Inglaterra falhou menos placagens (22 vs 13), não tendo tido também necessidade
de fazer tantas placagens (105 vs 82), o que não deixa de ser surpreendente e
revelador do quanto o jogo ofensivo neozelandês se alterou.
Nas fases estáticas a equipa
inglesa foi dominante e extremamente consistente com uma eficácia de 100% na mêllès
e touches de introdução própria.
À semelhança da NZ, a
Inglaterra terá cometido também um número exorbitante de erros individuais
(infelizmente sem dados estatísticos que possibilitem a comparação).
A derrota inglesa
Num jogo sem qualidade em que
só o resultado final foi previsível, valeu a emoção do primeiro ao último
minuto.
Pela derrota, muito pode a
equipa inglesa queixar-se de si própria pelo excesso de erros individuais, por
ter feito faltas no seu meio campo aproveitadas pela NZ e pela incapacidade de
manter o ritmo e fisicalidade do seu jogo ao longo dos 80 minutos. Em relação a
este último ponto a equipa NZ pareceu menos cansada e com melhores opções a
sair do banco (em especial Victor Vito e Barret) o que lhe permitiu
intensificar o jogo nos últimos minutos e conseguir alcançar o ensaio da
vitória.
Os momentos do jogo
i. O ensaio não
assinalado (e bem) a Freddie Burns por avant de Mike Brown (10m).
ii. O avant de
Ben Youngs que permitiu a arrancada de Retallik e terminou com o cartão amarelo
a Marland Yarde (69m).
iii. A decisão de
Cruden em jogar à mão uma penalidade frontal quando o resultado estava em 15-15
que quase deu ensaio e deu origem à mêllèe da qual nasceu o ensaio da NZ (75m).
iv. O ensaio, a
qualidade técnica e velocidade de Ben Smith, a leitura de jogo e experiência de
Conrad Smith que antecipando espaço no lado fechado do campo discretamente movimenta-se
do lado aberto e se posiciona no exterior do outro Smith recebendo de bandeja o
passe para um mergulho que valeu a vitória (76m).
Jogadores
Pela positiva...
· Jerome Kaino
– não fazendo esquecer Read, foi fundamental para combater o jogo físico inglês
(juntamente com McCaw).
· Aaron Smith
– foi dos poucos que tentou dinamizar o jogo NZ à mão ou fazendo um bom uso do
pé.
· Chris Robshaw
– omnipresente com contribuições decisivas no jogo defensivo. (placagem e
breakdown) e como “arma de arremesso” no ataque contra a defensiva neozelandesa.
· Freddie Burns
– pela forma como guiou a equipa e controlou o jogo ao pé.
...e pela negativa
· Israel Dagg
– pela falta de concentração, displicência e erros de principiante.
· David Wilson
–pela incapacidade de integrar o jogo ofensivo inglês no espaço com dois avants
evitáveis, em tudo o resto esteve bem.
O 2.º test match
Da NZ, sem Read e Dagg, mas
com Julian Savea na ponta e Ben Smith a 15, espera-se que mantenha o estilo de
jogo, mas com mais posse de bola (mais risco no jogo à mão) e agressividade
durante todo o jogo. O jogo ao pé terá como alvo principal Manu Tuilagi. Com
mais tempo de treino com toda a equipa, sem o elemento surpresa do primeiro
jogo e orgulho ferido – apesar da vitória – antecipo uma subida grande do nível
de intensidade e qualidade de jogo da NZ, certamente um jogo com menos erros e
previsivelmente com a criação de mais oportunidades de ensaio.
Com a chegada da cavalaria, a
equipa técnica inglesa fez 5 alterações (Tom Wood, Danny Care, Owen Farrell,
Billy Twelvetrees e Luther Burrell) que irão conceder mais qualidade, dinâmica
e poder de choque nos ¾. Ganha ainda um banco forte capaz de entrar e manter o
nível e ritmo de jogo (entre outros, Courtney Lawes, Billy Vunipola, Ben Young,
Freddie Burns e Chris Ashton). A mudança de abertura não deverá mudar
substancialmente a forma de jogar inglesa nem a qualidade e eficácia do jogo ao
pé. Já a inclusão de Manu Tuilagi a ponta e Twelvetrees e Burrell no meio, antecipa
uma Inglaterra ainda mais física e perfurante, apostando forte na continuidade
de jogo (excelente Twelvetrees no offload) utilizando o 3.º canal menos
frequentemente. A inclusão de Danny Care confere criatividade, espontaneidade e
mais jogo à mão da equipa inglesa, embora os pontapés tácticos com forte
pressão devam ser ainda a principal arma inglesa atacante inglesa dentro do seu
meio campo defensivo.
Fonte dos dados estatísticos NZ Herald
Sem comentários:
Enviar um comentário