14 de junho de
2014
Apontamentos (enfoque no ataque)
O 2.º test match entre a Nova Zelândia (“NZ”) e a
Inglaterra arrancou com grande expectativa, após a favorita NZ ter sido
vulgarizada por uma desfalcada Inglaterra na semana anterior no Eden Park em
Auckland.
Nesta semana, a única alteração na NZ operou-se no três
de trás com a saída do lesionado Israel Dagg para a entrada de Julian Savea,
ocupando Ben Smith a posição de defesa. Na equipa inglesa muitas alterações com
as entradas de Tom Wood para o lugar de Heskell, Danny Care substituiu Ben
Youngs, Tweelvetrees e Luther Burrell tomaram os lugares de Kyle Eastmond e
Tuilagi, tendo este passado para a ponta com Marland Yarde, saindo Jonny May do
XV inicial.
A primeira parte foi equilibrada com ligeiro ascendente
inglês e com 10 minutos finais de ritmo alucinante. A metade complementar foi
completamente diferente, com 25 minutos iniciais de domínio total neozelandês
(os únicos 25 minutos de “verdadeira” NZ ao longo de 160 minutos das test
series) e 15 minutos finais de reação e grande combatividade inglesa.
Menos jogo ao pé e erros individuais, mais jogo à mão,
dinâmica e criatividade ofensiva marcaram este jogo.
A pouco mais de um ano do mundial em Inglaterra, as duas
equipas assumem-se, desde já, como candidatas ao troféu William Webb Ellis.
NZ
Ataque
A NZ foi uma vez mais surpreendida pela entrada
fulgurante inglesa e quando teve oportunidade de iniciar o primeiro ataque, já
o jogo ia nos 9 minutos e com 0-10 no marcador.
A receita para a jogada inicial foi a mesma do jogo
anterior. Fase estática, bola para o abertura, salto simples para o 13 e este
salta o ponto fechado (que está inicialmente já na linha ao lado do 13),
colocando a bola no 15. Jogada simples com um só plano ofensivo para ser
executada com passes rápidos e muita velocidade de forma a tirar partido do
espaço exterior, uma vez que o ponta aberto – Tuilagi – se encontrava a
defender mais recuado e largo e o ponta fechado – Yarde - ficou no seu lado.
Situação que executada na perfeição poderia dar origem a um ataque de 6 para
uma defesa de 4 (9+10+12+13) +1 (Tuilagi) +1 (Mike Brown). Não deu ensaio, mas criou
dificuldades defensivas à Inglaterra e esteve na base dos 3 pontos iniciais para
a NZ.
De fases estática, os jogadores neozelandeses também
insistiram no jogo ao pé (são exemplos o cross kick mal executado para Cory
Jane diretamente para fora aos 14:30m e para as costas de Tuilagi que dá origem
a uma penalidade aos postes (falhada) para a NZ aos 16:25m). Refira-se que
durante todo o jogo a NZ chutou 27 vezes em jogo corrido.
Saltando para os 25 minutos da 2.ª parte de domínio total
da NZ (do minuto 42 ao minuto 67), numa clara mudança de atitude e concentração
desta equipa. Período esse que abrangeu também a saída de Cruden (com pouca
capacidade para liderar e implementar o jogo ofensivo dinâmico a que a NZ nos
tem habituado) por Barrett e a expulsão
por 10 minutos de Owen Farrell.
Primeiro uma lição de contra-ataque no ensaio de Ben
Smith (ver sequência abaixo). Recuperação de bola de Retallick (tal como na
origem do ensaio da semana passada) e de um segundo para o outro a NZ converte
uma linha defensiva em duas linhas de ataque, com Ben Smith a assumir a posição
de playmaker e Whitelock e Coles de centros. Passando por estes três jogadores,
a bola rapidamente chega a Cruden que imprime velocidade ao ataque (fundamental
para tirar partido da vantagem numérica), fura a linha defensiva inglesa e com
apoio de Savea fora e Ben Smith dentro resolvem a situação facilmente com duas
situações de 2x1.
O segundo ensaio começa com dois lances de genialidade
técnica neozelandesa. Primeiro, Ben Smith sobe ao último andar para ganhar de
forma segura uma bola complicada no ar. Depois, Aaron Smith sai com a bola do
ruck e num side step diabólico tira Dave Wilson do caminho (que, para não ser
batido no exterior em velocidade, “oferece” o seu lado interior – o do ruck que
fica desguarnecido - a Smith) e fez mais de 40 metros até ser apanhado. Depois
de algumas fases (penetrações sempre longe da zona do breakdown anterior) em
que o perfurador nunca foi o primeiro receptor (com um pick and go pelo meio) e
de mudança do sentido do jogo, a bola acaba na ponta de Savea para uma
finalização fácil. Importa salientar a simplicidade neste ensaio, utilizando
apenas uma linha ofensiva, com permanente ataque do espaço em velocidade,
capacidade técnica evoluída do pilar ao 15 e um apoio ao portador da bola que
permitiu garantir a posse de bola (curiosamente os offloads só surgem na parte
final da jogada).
O terceiro ensaio da NZ resulta dos básicos executados na perfeição e velocidade e de uma “grande” ajuda de uma derrotada defesa inglesa.
Estatística:
- 567 metros ganhos
- 11 clean breaks
- 3 rucks perdidos
Defesa
Na defesa, a NZ mostrou problemas nos momentos iniciais
em defender o maul inglês, tendo feito 3 faltas (uma de derrube de maul e duas
entradas no maul pelo lado) em apenas 3:25 minutos de jogo.
Defesa de up and out clássica com tentativa de defesa de
2 em 1, procurando o segundo homem parar rapidamente o ataque inglês, evitar o
offload ou a reciclagem rápida da bola e tentando, durante o processo, a
recuperação da mesma. Refira-se que a NZ manteve muitas dificuldades,
essencialmente durante a primeira parte e no final do jogo, em suster a
fisicalidade inglesa na zona do 1.º e 2.º canal.
Falha de placagem de McCaw e Cruden muito aberto no
primeiro ensaio inglês. No segundo ensaio lenta a recolocação e falha de
atenção defensiva no ensaio de Mike Brown. No último...pura displicência quando
o jogo já se encontrava resolvido.
Estatística:
- 74 placagens realizadas
- 11 placagens falhadas
- 7 turnovers ganhos
- 20 turnovers concedidos
Fases estáticas
Nas fases estáticas a NZ revelou algumas melhorias, com
mais estabilidade na mêllèe, apesar de ter perdido 2 mêllèes próprias (10
mêllèes de introdução própria conquistadas) e ganho as suas 10 touques.
Faltas: 9
Inglaterra
Ataque
A Inglaterra entrou outra vez com carácter, apostando no
maul como principal arma atacante, ganhando três penalidades nos primeiros 3:25
minutos de jogo.
O maul serviu também como base para vários ataques de
primeira fase no 1.º e 2.º canal ao longo do jogo. A jogada usada
recorrentemente inicia-se com a saída de Danny Care da base do maul em corrida
lateral, tendo como opções o ponta fechado no interior (ou exterior curto como
no primeiro ensaio), o abertura com uma corrida lateral (quase como se tivesse
a fazer uma dobra aos centros) e os centros a cruzarem entre eles. Danny Care
funciona como manobrador, aparecendo o ponta fechado e o 13 num primeiro plano
ofensivo (perfurante) e o 10 e o 12 num segundo plano ofensivo para jogar no
espaço (juntamente com o 15 e ponta aberto, estes então já numa 3.ª linha de
ataque bem mais profunda).
Esta jogada dá o primeiro ensaio inglês aos 7 minutos,
graças a uma placagem (invulgarmente) falhada por McCaw e também ao facto de
haver um grande buraco entre este e Cruden. Do lado inglês mérito não só para a
linha de corrida e potência de Yarde no ataque do espaço, mas também à forma
como Care ataca a linha criando indecisão em McCaw que só se apercebe da
presença de Yarde na altura do passe para este. Burrell com uma linha de
corrida para cima de Cruden obriga este a manter-se fora.
Outra variante da jogada acima confirma a tendência da
equipa inglesa em (i) querer incluir o maior número de homens extra no ataque
de primeira fase possível (com o formação a sair com a bola para fixar os
primeiros homens da linha defensiva e o ponta fechado a aparecer em quase todas
as jogadas), (ii) ter pelo menos 3 opções de passe; (iii) haver diferentes
linhas de corrida (para o espaço) dos jogadores que dão essas opções; e (iv) ter
quase sempre dois planos (por vezes três) ofensivos de ataque (o primeiro
perfurante e o segundo para jogar no espaço, sendo, no entanto, os jogadores no
segundo plano utilizados amiúde em perfuração nos espaços abertos pelos
jogadores da primeira linha ofensiva – ver exemplo abaixo de Yarde).
No jogo aberto a Inglaterra consegue progredir num jogo estruturado e apoiado nos canais 1 e 2, mas parece uma vez mais menos ineficaz no ataque no canal exterior, demonstrando muita lentidão na forma como os jogadores atacam (e não fixam) a defesa neozelandesa (ver imagens abaixo).
Embora esta tendência tenha melhorado substancialmente face ao primeiro jogo em Auckland e já com alguns movimentos assinaláveis (como na jogada do ensaio de Mike Brown ou na perfuração de Twelvetrees - ver imagens abaixo). Na jogada de Twelvetrees é interessante ver também como os decoys ingleses no primeiro plano ofensivo (e Tom Wood completamente fora de jogo) atrapalham a linha defensiva de Nonu e permitem a perfuração de Twelvetrees. Obstrução?
De realçar ainda a tentativa recorrente de Care em
inverter o jogo, tentando surpreender a NZ aproveitando situações de
superioridade numérica ou em que tinha jogadores mais rápidos e potentes em
relação à defesa no lado fechado para progredir no terreno.
Depois dos 25 minutos de domínio total da NZ na 2.ª
parte, a Inglaterra levanta-se “dos mortos” e com um resultado de 28-13 ainda
marca dois ensaios.
O primeiro de jogo corrido, a Inglaterra aproveita uma
situação de superioridade numérica (1 homem a mais) para marcar um ensaio num
ataque com 2 planos ofensivos executado na perfeição. A linha da frente a fixar
os três primeiros defensores ingleses. O receptor na segunda linha de ataque
põe a bola rapidamente no espaço, criando uma situação de 3 atacantes contra
1+1 defesas. Mike Brown aparece em velocidade e recebe a bola, atacando o
espaço interior do defesa que sobrou e só acabou dentro da área de ensaio (toque
de meta ou não? Os árbitros dizem que sim).
O último ensaio surge já depois do minuto 80 e com 8
pontos de diferença. A vitória já não iria fugir da NZ (o que poderá justificar
, mas não desculpar, a sua displicência defensiva e falhas de placagem), mas os
ingleses foram persistentes, demonstrando atitude e carácter.
Estatística:
- 358 metros ganhos
- 7 clean breaks
- 6 rucks perdidos
- 26 pontapés em jogo corrido
Defesa
A Inglaterra, à semelhança do primeiro jogo, começou
muito pressionante, tirando espaço à NZ para atacar e obrigando-a a cometer
vários erros ofensivos. Como a NZ, a Inglaterra tentou ter um segundo homem na
placagem para evitar o offload ou a reciclagem rápida da bola (para quebrar o
ritmo de jogo neozelandês) e tentando, durante o processo, a recuperação da
mesma.
Também na sequência do primeiro jogo, a pressão no
breakdown da NZ manteve-se intensa resultando em alguns dos 19 turnovers
concedidos pela equipa da NZ.
Durante o domínio da NZ no início da 2.ª parte a defesa
inglesa foi claramente batida, não só a nível coletivo (posicionalmente foi um
descalabro), mas essencialmente a nível individual a falha de placagem foi em
alguns casos inadmissível (e.g. ensaio de Nonu). A equipa inglesa não conseguiu
a coesão de outros períodos do jogo, abrindo espaços, falhando placagens e
tornando-se incapaz de disputar rucks e recuperar bolas.
Durante esse período a equipa inglesa perdeu-se física e
psicologicamente e quando toda a gente pensou que até ao final o jogo só teria
um sentido, a Inglaterra ressuscitou com a reentrada de Farrell, com a renovada
primeira linha, mas essencialmente com a clarividência de Ben Youngs (Care já
não estava há muito em campo) e as entradas de Courtney Lawes e Billy
Vunipola (deveriam ter entrado mais
cedo?).
Estatística:
- 136 placagens realizadas
- 31 placagens falhadas
- 10 turnovers ganhos
- 19 turnovers concedidos
Fases estáticas
Fases estáticas relativamente estáveis (principalmente a mêllèe),
mas não tão infalíveis como no primeiro jogo em que a eficácia de conquista de
mêllèes e touches de introdução própria foi de 100%, com recuperação ainda de algumas
bolas de introdução neozelandesa. Inglaterra perdeu 3 e ganhou 12 touches
próprias e conquistou as suas 4 mêllèes.
Faltas: 7
Momento do jogo
O assalto à segunda parte pela NZ, mostrando velocidade
de execução, domínio dos básicos e, acima de tudo, com uma eficácia mortífera.
Jogadores
Pela positiva...
Dan Coles – jogo impressionante de
sacrifício e presença em todo o campo, está no ensaio de Ben Smith, está numa
placagem na linha extraordinária aos 47m impedindo um ataque perigoso inglês e
perfeição na introdução das touches (100% de eficácia).
Ben Smith – placagem que salvou
ensaio no final da primeira parte com recuperação da bola, segurança nas bolas
do ar e grande intervenção e dinâmica ofensiva ao longo de todo o jogo,
finalizando um ensaio (brilhante a sua linha no apoio) que começou. Poderia,
porém, ter soltado mais cedo a bola em várias situações.
Geoff Parling – um trabalhador para a
equipa com 18 placagens feitas (mais do que qualquer jogador dentro de campo) e
um turnover ganho.
Mike Brown – a arrancada de Tuilagi
poderia ter tido outro desfecho se Brown se tivesse aproximado no apoio, mas
pela segurança defensiva e no jogo aéreo, capacidade de aparecer na linha e
causar desequilíbrios e intervenção nos dois últimos ensaios, merece ser o ¾ de
eleição na equipa inglesa.
...pela negativa
Cory Jane – melhorou no período bom
da NZ na segunda parte, até lá foram erros individuais atrás de erros
individuais.
Billy Twelvetrees – com exceção de um line
break na primeira parte, 3 placagens falhadas e 3 turnovers concedidos são
números excessivamente negativos numa defesa inglesa que teria de ser imaculada
(principalmente na zona de Twelvetrees) para aspirar a ganhar a esta equipa da NZ.
O terceiro test match
Com as test series decididas, estará acima de tudo em
jogo o orgulho das duas equipas.
A NZ não estará satisfeita com as suas prestações nestes
dois jogos, com efeito, a equipa foi vulgarizada (com exceção de 25 minutos
deste segundo jogo) por uma equipa inglesa com qualidade e ritmo de jogo. A
imagem que tem deixado não tem convencido o mundo do rugby e neste momento
mostra-se vulnerável. A dois meses do Rugby Championship e a pouco mais de uma
ano do mundial a NZ – ferida no orgulho - quererá recuperar rapidamente o
estatuto e nível a que habituou os adeptos do rugby. A NZ não costuma mudar o
XV radicalmente, pelo que se esperam algumas alterações, mas sem que tenham, à
partida, um impacto negativo na sua forma de jogar.
A Inglaterra disputa esta 3.ªf um jogo contra uma equipa
forte dos Crusaders em que as únicas ausências são os seus All Blacks.
Espera-se que seja uma segunda equipa a jogar este jogo e no próximo sábado contra
a NZ deverá alinha uma equipa não muito diferente da que iniciou o segundo test
match. Fará talvez sentido a entrada de Billy Vunipola e de Courtney Lawes
(embora Parling e Launchbury estejam em grande forma) e eventualmente uma
mudança nos centros.
Previsão: vitória da NZ
Fonte de dados estatísticos: NZ Herald
Excelente!
ResponderEliminarOs Ingleses claramente quiseram "jogar", mas se tivessem mantido a fórmula dos primeiros 15 mins, poderia ter sido diferente. Ninguém gosta de ver maul atrás de maul... mas poderia ter sido diferente.
Não compreendo a insistência em Twelvetrees, até porque me parece que ele está lá para suprir a deficiência que Farrell tem na identificação de vantagens. Vamos ver o que faz Kyle Eastmond no terceiro jogo. Burrell é 12 e embora não tenha limitações na distribuição tão graves como Tuilagi, perde muito em velocidade e colisão para este. Que na ponta, deixa de ser bom para passar a ser meramente mediano. Parece-me que Lancaster tem nos centros a maior incógnita.
Estilos de defesa muito diferentes, como apontas e bem. Neste campo, inusitado número de placagens falhadas de parte a parte.
Grande análise, abraço!