sexta-feira, 6 de junho de 2014

Heineken Cup - o breakdown

Brad Barritt indicou o "breakdown" (jogo no chão) como a chave do sucesso do Toulon. A este reparo não será alheio o facto dos Saracens terem dominado o contacto (e logo o ruck) internamente, na Aviva Premiership. Contudo, a Europa tem sido um jogo diferente: se contra o Clermont a percentagem de rucks foi (como é quase sempre) acima dos 90% e a velocidade de disponibilização de bola melhor caracterizada como atómica, a que se juntaram 14 (!) "turnovers" (recuperações de bola), contra o Ulster, nos quartos de final, os Saracens perderam a batalha do chão. A terceira linha não registou, na Irlanda, qualquer recuperação de bola (apenas duas no total, a cargo da primeira linha, contra 5 do Ulster), e tiveram uma percentagem de rucks ganhos ligeiramente inferior ao opositor. 

Na final, lidaram com uma defesa do Toulon que tinha o propósito claro de:
  • derrubar rapidamente o portador da bola, preferindo placagens baixas (cujo efeito negativo de perda de terreno era compensado por uma velocidade elevada de subida da linha defensiva) = bola imediatamente disponível para disputa;
  • "assist" (segundo placador) muito próximo do placador, no sentido de chegar mais cedo e obter vantagem numérica na disputa da bola.
Os Saracens só poderiam ter saído do colete de forças se conseguissem um "clean out" (limpeza de ruck) mais eficaz e imediato, algo que Vunipola mas sobretudo Burger e Brown nunca conseguiram alcançar. Foram claramente derrotados neste ponto. 
A estratégia era arriscada, porque implicava comprometer mais homens na defesa (que poderiam fazer falta nos canais exteriores, caso a bola fosse disponibilizada rapidamente). Juan Smith e Steffon Armitage foram monstros e materializaram o plano de Laporte. E toda a equipa extremamente rigorosa, porque foi raro verem-se homens desperdiçados no contacto, antes deixando a disputa a 2 ou 3 jogadores, com os restantes a integrarem a linha defensiva. Impressionante! Os exemplos seguintes procuraram demonstrar que os de Toulon foram mais inteligentes na decisão e rigorosos na execução das técnicas de contacto, não necessariamente mais poderosos fisicamente. 
Exemplo 1________________________________________________________________

Juan Smith placa Schalk Britz. Toulon tem Basteraud (13) como assist, Giteau (12) e Mitchell (14) próximos. Os Saracens têm Borthwick (4) como primeiro apoio (na função de clean out) e Farrell (10), Brown (6) e Burger (7) próximos. 


Basteraud, sem falta (está em posição regular, disputa a posse de bola de pé, e não estava em contacto com Britz na placagem e queda deste) consegue trancar a saída da bola. Borthwick é ineficaz na limpeza (veja-se como caí para lá da linha da bola, sem ter movido a ameaça à bola), Brown e Burger chegam tarde, e tentam limpeza por cima do corpo trancado de Basteraud (excelente técnica de "jackal", i.e. sobre a bola). 1 x 3 e Basteraud venceu o duelo. Excelente.
Exemplo 2________________________________________________________________


Hayman (3) placa B. Vunipola (8), que tem Brown (6) a fazer "martelo" e Matt Stevens (3) próximo. Juan Smith (6) está bem próximo e Chiocci, mais longe, prepara-se para ser o "assist" (segunda placador). 




Vunipola progride mas, placado baixo, cai. Hayman está fora do processo porque não consegue levantar-se. Chiocci, fabuloso, aproveita o facto de Brown não poder cair com o jogador placado (seria falta - o famoso "bridging") e ganha o espaço critico por cima da bola, através da sua posição baixa mas segura. Brown, muito próximo, já só consegue tentar o "clean out" através da pega de crocodilo, i.e. por cima e virando o adversário, mas que exige domínio físico. Brown é pelo menos 20 Kgs mais leve que Chiocci e não consegue limpar o pilar francês. Smith, inteligentíssimo, compreende que a sua acção não será necessária (ou a bola é recuperada ou então está perdida e mais vale defender), optando por integrar a linha defensiva. Rigor, critério, zero desperdício. Com gente inteligente é mais fácil. Pela negativa, Matt Stevens que não compreendeu que teria de atacar a situação pelo eixo, e optou por manter-se bem próximo e lateral, ou seja, em situação de inutilidade absoluta.


 
Juntam-se à festa M. Vunipola (1), Borthwick (4), Britz (2) e Wigglesworth (9) mas a falta (não libertou a bola) já havia sido cometida por B. Vunipola (8). Com 2 homens, o Toulon recupera a bola protegida por 3 homens dos Saracens. 

Neste particular, sublinhado ao brilhantismo da decisão dos franceses, que sempre que B. Vunipola era o portador, preferiam placar baixo, mesmo que isso implicasse ligeira perda de terreno. A decisão, acertada, justifica-se em duas penadas: se placassem alto, B. Vunipola continuaria a progredir e quando finalmente caísse no chão, teria o apoio suficiente para assegurar a posse de bola. B. Vunipola nunca conseguiu adaptar-se, e não fez o que já antes fizera pela Selecção: marcado, disponibilizar a bola no espaço para colega melhor colocado. 
Exemplo 3________________________________________________________________
 

Uma imagem vale mil palavras... 6 Saracens contra 2 do Toulon. Falta do jogador inglês, por não largar a bola.

Exemplo 4________________________________________________________________



Lobbe (7) placa, S. Armitage é o "assist". Borthwick (4) parece um pouco isolado, embora surja já Britz (2) para o "clean out". 



S. Armitage (aparentemente em falta, porque cai com o Borthwick; só pode disputar a bola depois de largar o placado) adopta desde logo posição de "jackal" perfeita, com as mãos sobre a bola e de pé. Britz e Ashton (14) vão chegar atrasados.



Falta! Borthwick não largou a bola. Segredo desta recuperação de bola: a velocidade com que Borthwick foi placado e colocado no chão - a bola passa à condição de disputável - e retirando tempo ao apoio atacante.

Exemplo 5________________________________________________________________







Nesta sequência, que envolve os inevitáveis S. Armitage (placador) e J. Smith ("assist"), o árbitro marcou penalidade de Strettle, que não largou a bola. Contudo, é evidente que J. Smith foi quem primeiro prevaricou, ao abraçar firmemente Strettle na sua viagem até ao chão. O placador (primeiro ou "assist") tem de largar o placado, e só depois pode disputar a bola. 

E soluções?
Isto de comentar no cadeirão é um pouco como os famosos prognósticos no futebol: só depois do jogo. E no entanto, os Saracens sabiam que iam defrontar uma equipa que, em 8 jogos (6 jornadas + QF + MF) tinha registado 56 recuperações de bola (média de 7 por jogo) e um jogador em particular, Steffon Armitage, com 13 "turnovers" em seu nome. Ou seja, uma equipa proficiente na colisão defensiva, placagem e técnica de "ruck". A título de curiosidade, a única equipa que este ano, na Heineken Cup, não concedeu qualquer "turnover" foi o Munster, nos QF. O que acaba por não surpreender, se nos recordarmos da lição que o pack Irlandês deu ao pack Galês na primeira jornada do 6 Nações deste ano. Muito semelhante.
Com a devida vénia ao João Pedro Varela, cujo segundo périplo pela NZ resultou num avolumar do seu já impressionante conhecimento oval, e que teve a generosidade de partilhar, entre outras, esta ideia, os Saracens poderiam ter insistido no que lá por baixo se vai fazendo e a que poderemos chamar de "early clean out", i.e. limpar o homem (o "assist") antes do "ruck" formado. A legalidade deste expediente será seguramente sindicada no futuro. Mas por ora, poderia ter ajuda a anular a omnipresença da terceira linha francesa no ponto de queda.

 

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