É uma inevitabilidade: andamos no
desporto de competição para vencer. Nesse aspecto, é um pouco como a política
(já regresso a este ponto). E tudo o que é feito numa organização desportiva
tem como fito último a vitória, mesmo no caso das organizações que valorizam o
processo em detrimento do resultado – fazem-no, na sua maioria e paradoxalmente,
porque acreditam que ao valorizar o processo, ficam mais próximos de alcançar o
resultado. Por processo entenda-se não só os procedimentos, mas também o
conjunto de normas que regem toda a conduta dos membros integrantes, i.e. a
cultura da equipa.
O imperativo da vitória
A verdade, porém, é que o desporto
competitivo não admite a sobrevivência de processos que redundem, sucessiva e
maioritariamente, em derrotas. É claro que a noção de vitória varia consoante a
organização – para uns serão títulos, para outros classificações meritórias
(pelo menos até ao momento em que estas sejam em número tal que os títulos
passem a ser exigidos), para outros ainda resultados financeiros associados à
exploração da actividade desportiva. De todo o modo, é de vitória que falamos
em competição, independentemente do significado circunstancial.
Contratar ou formar?
A questão da formação de jogadores está
em voga (no rugby, seguramente, mas também no futebol), e está intimamente
relacionada com este paradigma existencial do desporto competitivo. Para vencer
precisamos de jogadores; que por sua vez terão de ser angariados/contratados,
ou formados. Note-se que a formação não exclui – deve, aliás, atender e
entender – esse maravilhoso e aberrante fenómeno da geração espontânea, que
permite que miúdos que jogaram toda a vida descalços, com cocos ou amontoados
de papel colado no lugar de bola, em pelados invadidos por crateras e calhaus,
sejam hoje o Samuel Eto’o ou o Rupeni Cacaunibuca.
Se a contratação apresenta a vantagem
de não exigir estrutura significativa, na medida em que meia dúzia de olheiros
“varrem” o globo com recurso às actuais e inúmeras ferramentas tecnológicas,
nem outro investimento que não seja o correspondente à eventual aquisição de
direitos desportivos, encerra um risco significativo, já que a observação não
nos oferece garantias quanto ao tipo de jogador que estamos a recrutar para a
nossa organização, e muito menos o tipo de pessoa. Basta recuperar, como
demonstração, as memórias de incontáveis expectativas frustradas com
contratações de jogadores, que se revelaram um flop.
Inversamente, o processo formativo
permite que acompanhemos o desenvolvimento das vertentes motoras, técnicas e
tácticas do jogador, fomentando, crítica e essencialmente, a identificação com
a cultura do clube. Contudo, a formação exige um investimento apreciável,
sobretudo em pessoas – e não tanto em infraestruturas, contrariamente à crença
popular – que tem retorno variável e inevitavelmente a longo prazo.
Risco e recompensa
Sobre o rácio risco/recompensa falarão
com maior propriedade os economistas, que reduzem praticamente tudo a números,
e o desporto também. Recordo o furor causado nas massas pelo Moneyball, que encontra paralelo na
obsessão analítica em voga nos anos ’90, com a introdução dos softwares de análise de jogo. O desporto
não se contém em números ou estatísticas, mas seria estúpido ignorar a boa informação
que a matemática analítica nos oferece.
Quando se contrapõe formação a contratação, referimo-nos essencialmente a risco e recompensa. Compreende-se
a dificuldade de afirmação das valências da formação, como ferramenta
primordial de recrutamento e composição de um plantel. Primeiro, porque os
treinadores têm ciclos nas equipas – como os políticos, nos cargos que ocupam –
e sentem a necessidade, largamente injustificada, de apostar em gente que
conhecem, “batida” e que apresente resultados imediatos; injustificada porque
não existe no mundo calculadora capaz de enumerar as contratações falhadas,
algumas pagas a peso de ouro. Para estes, a aposta nos miúdos fica para depois,
para alguém que “feche a porta”; as semelhanças com a política são recorrentes.
No entanto, estou convencido que o
facto que concorre primordialmente para a desvalorização do processo formativo
é a circunstância das organizações valorizarem sobretudo – e porventura
unicamente – a contribuição técnica e táctica do jogador, sem consideração pelo
carácter, temperamento e adequação à cultura da organização. É claro que com
“coxos” ninguém ganha, mas sou dos que acredita que não basta saber chutar,
passar e placar. Um bom jogador tem de ser, como recordou com perspicácia o
Francisco Pereira Branco no P3,
acima de tudo, ainda melhor pessoa. Enquanto não for outorgada dimensão crítica
ao ethos, a formação será sempre um
expediente para “inglês ver”, ou para cumprimento de coloridas regras ad hoc, algures entre os jogadores
formados localmente da UE e as quotas raciais na África do Sul (não se leia
neste apontamento qualquer crítica a estas regras, que podem até ser necessárias; lamenta-se
apenas que o estado de coisas exija que alguém a pense).
Apenas a vitória
Não proponho que se defenda nada mais
que a vitória. Acredito que o caminho mais sustentável para lá chegar é através
da formação de culturas fortes, assentes na integridade, qualidade motora,
técnica e táctica, que por sua vez exige uma aposta forte na qualificação de
quadros formadores, que resultarão em melhores jogadores e melhores pessoas. O
recrutamento terá sempre um papel complementar, importante.
A Alemanha campeã do mundo anda desde o início do século a pensar nestas coisas, com o sucesso que se conhece (uma liga profissional com estádios cheios, lucrativa, níveis de participação em máximos históricos, o quarto campeonato do mundo).
Talvez tenhamos investido demasiado tempo e – não nos iludamos – dinheiro em apenas parte da equação. O problema maior é que não se vislumbra, no rugby como no futebol, quem se preocupe em caracterizar o contexto, em identificar virtudes e faltas, em apresentar e discutir soluções. Estamos sempre a tempo.
A Alemanha campeã do mundo anda desde o início do século a pensar nestas coisas, com o sucesso que se conhece (uma liga profissional com estádios cheios, lucrativa, níveis de participação em máximos históricos, o quarto campeonato do mundo).
Talvez tenhamos investido demasiado tempo e – não nos iludamos – dinheiro em apenas parte da equação. O problema maior é que não se vislumbra, no rugby como no futebol, quem se preocupe em caracterizar o contexto, em identificar virtudes e faltas, em apresentar e discutir soluções. Estamos sempre a tempo.